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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Análise de Crash-No limite


“Reconheço o meu pesar, quando tudo é traição, o que venho encontrar é a virtude em outras mãos”. (Renato Russo)

A banda Legião Urbana gravou uma música, da qual esse trecho faz parte, em meados dos anos 80. Naquela época o mundo já havia passado por duas guerras, pelo holocausto, pelos regimes militares de extrema intolerância, mas ainda assim respingava, na década da liberdade, os resquícios de um mundo doente.
O quadro social há muito caminha a cada dia mais sem padrões definidos. Resta aos seres humanos tentar conviver com as diferenças existentes e emergentes na sociedade.
As crises de identidade surgem na mesma velocidade que as intolerâncias pessoais e sociais. Apesar dos desastres naturais ou provocados poderem ser usados como desculpa para confusões ideológicas, o fato é que os valores se perdem, as crises de identidade se instalam, a intolerância cresce em proporção geométrica enquanto a alteridade diminui a cada novo desafio proposto pelo cotidiano, pela convivência com o próximo.
O filme analisado trata de promover o entrelaço de várias vidas em uma situação pós-desastre provocado pela intolerância entre nações, o 11 de setembro de 2001 que abalou emocionalmente o mundo, mas não modificou as sentenças já pré-estabelecidas nos valores de cada um.
A deficiência na estrutura interior fez com que os juízos de valor fossem feitos a cada nova situação apresentada.
Mesmo tendo sido produzido cinco anos após o desastre é uma obra que retrata o passado, o presente e parece que continuará retratando as facetas sociais no futuro.
A análise, portanto, longe de ser um julgamento, intenciona traçar um paralelo entre as personalidades apresentadas no filme.

“Tem gente que machuca os outrosTem gente que não sabe amarMas eu sei que um dia a gente aprende” (Renato Russo)

O filme, apreensivo do início ao fim, e definido pelo guia da Folha de São Paulo como um épico da intolerância, procura provocar no espectador os sentimentos que cada um parece preferir que permaneçam adormecidos. Ganhador dos prêmios de melhor filme internacional, melhor roteiro original e melhor montagem em 2005 e contando com uma constelação de atores como Sandra Bullock, Brendan Fraser, Matt Dillon, o filme está muito além de ser um produção sobre racismo, é uma obra prima da imperatividade em acordar o mundo para os valores que se perdem a cada momento que se pensa ter a necessidade de criar padrões de aceitabilidade e comportamento. Isso é claramente observado quando um diretor de televisão negro e sua esposa são abordados por policiais e ela é molestada em sua frente causando tão somente revolta interior. Incapaz de expressar qualquer reação por medo de opiniões que ele sabe, já estão formadas ao seu respeito, ele se desculpa diante da culpa do outro. Esse outro que descarrega sobre o diretor negro a sua raiva incubada pelo tratamento que teve da parte de uma recepcionista negra que não quis ajudar o seu pai doente.
Claramente observa-se a crise de identidade que se estabeleceu na vida do policial que exacerbou os seus poderes de braço forte do estado.
Vivemos em uma sociedade em que pessoas são trocadas por coisas. Quando dois jovens negros ladrões de carros atropelam um coreano contrabandista de pessoas e o abandonam à própria sorte enquanto levam sua van, evidencia-se o pouco ou nenhum valor dado à vida.
Os estereótipos gerados a partir de conceitos pré-estabelecidos levam uma rica dona de casa e esposa de um promotor, que teve sua casa furtada nas útimas 36 horas, que é o tempo em que se passa a estória do filme, a desconfiar de um jovem mexicano que troca as fechaduras arrombadas de sua casa. Tão somente pela vestimenta e pelas tatuagens do rapaz ela o encara como um possível marginal.
Enquanto transcorre o tempo, a família de um árabe extremamente intolerante é atingida pela violência urbana ao ver seu bem destruído por marginais. Intolerância que gerou indiretamente o fato. Nota-se que todas os comportamentos assumidos geram consequências. O mesmo chaveiro mexicano que sofreu o preconceito da dona de casa, é o que troca as fechaduras arrombadas de sua casa.
“Hoje já sei que sou tudo que preciso ser. Não preciso me desculpar e nem te convencer”

(Legião Urbana)

Os velhos valores e conceitos formados, as velhas identidades estão em declínio. É o que nos confirma Stuart Hall (1980:07-22), ao analisar a questão da identidade: A assim chamada crise de identidade é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 1980:07-22).
Aproveitando o gancho de Hall e transportando a história da “crise de identidade” para o filme Crash onde, na verdade, as pessoas não se conhecem até depararem com situações que excedem os seus conceitos formados ao longo da vida, pode-se começar a entender como tudo que nos cerca é efêmero, se não o fosse, não haveria por que se falar em “crise". Uma pessoa em crise de identidade é alguém que pensa que é o que não é ou acredita ser o que nunca foi. Resumindo, a pessoa em crise de identidade não tem uma visão correta de si mesma. Vive em confusão, ilusão, mentiras. João Batista, o profeta, não sofria desta crise, observando suas palavras no livro O Evangelho Segundo João da Bíblia Sagrada, entendemos que a tal crise não o acometeu: Mas a todos quantos O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, a saber, aos que crêem em Seu Nome. (JOÃO 1:19). Ele sabia quem era.
A intolerância e a alteridade
Segundo o Aurélio, dicionário, intolerância é uma atitude odiosa, agressiva. Alteridade é o inverso disso, é a capacidade de se colocar no lugar do outro em uma relação interpessoal. Trata-se de aprender a conviver com as diferenças, buscando equilíbrio entre os diversos pontos de vista.
Na obra analisada o que chama à atenção é também a alteridade do policial que se mostrava contra as atitudes do colega de trabalho, porém em um momento de extrema tensão e trazendo à tona os seus conceitos.

Conclusão
O filme é um retrato fiel do que vivemos, mas, além disso, ele serve para que reflitamos a respeito de como estamos agindo ao depararmos com as peças apresentadas no teatro da vida. Vivemos numa linha tênue, se para a direita, acertamos e somos o que se considera seres sociais com dignidade, caráter e respeito, se para a esquerda, somos seres à margem da sociedade e que, consequentemente, sofrerão os preconceitos do outro. Contudo, como o filme em seu encerramento surpreendente nos mostra que nem tudo é o que parece ser a vida em sociedade, essa mesma que começa dentro do lar, deve ser pautada pelo equilíbrio e pela tolerância com o próximo, afinal, é difícil praticar a tolerância com alguém que está longe. Comecemos, então, pelo próximo.
http://www.youtube.com/watch?v=A_BbAa7tBwE

Um comentário:

  1. mto boa sua resenha, acabei de ver o filme e me ajudou mais ainda a compreender o que fala realmente nas entrelinhas do crash.

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